Xangô

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O título deste CD remete a uma obra de Almeida Prado, um dos artistas mais interessantes da música clássica brasileira na segunda metade do século 20. Escrita para piano quando o compositor contava 18 anos, utiliza o Canto de Xangô, um breve tema transcrito por Mário de Andrade (1893-1945) no Ensaio sobre a música brasileira (1928). Na tradição iorubá, xangô é o orixá da justiça, do trovão, dos raios e do fogo.

A abordagem de Almeida Prado em Variações sobre o tema de Xangô extrapola a escola nacionalista e antecipa o espectralismo intuitivo e o virtuosismo rítmico que iriam emergir de seu contato, em Paris, com Olivier Messiaen (1908-92) e Nadia Boulanger (1887-1979). Ainda assim, os títulos e gestos de suas 14 curtas variações mapeiam minuciosamente a afetividade brasileira: após o tema lento segue-se I-calmo, II-distante, III-apaixonado, IV-alegre, V-saudoso, VI-nostálgico, VII-com humor, VIII-choroso, IX-saltitante, X-sereno, XI-gracioso, XII-com ternura, XIII-agitado e XIV-festivo.

Trabalhada pelo autor com o Quaternaglia por ocasião da celebração de seus 60 anos e estreada na cidade de Curitiba em 2003 – ocasião em que o compositor a dedicou publicamente ao quarteto -, a versão para quatro violões incorpora também uma linha adicional de fagote concebida por Almeida Prado em 1998.

Já há algum tempo o Quaternaglia buscava uma aproximação com o universo sonoro do carioca Ronaldo Miranda. Autor de uma produção ampla e variada – que inclui obras sinfônicas e óperas -, tem em seu catálogo um concerto para quatro violões e Appasionatapara violão solo, uma das peças favoritas dos solistas brasileiros das novas gerações.

A inspiração surgiu igualmente de uma obra juvenil, a Suíte n.3 para piano solo, composta na época em que Miranda estudava com Henrique Morelenbaum na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1979 ela foi selecionada pelo compositor César Guerra-Peixe (1914-93) para ser editada pela casa Irmãos Vitale, e foi esse o texto que serviu de base para a adaptação de Chrystian Dozza (integrante do Quaternaglia).

A composição instrumental divide o interesse da atividade criadora de Sergio Molina com projetos ligados à canção – como o CD Sem pensar, nem pensar (2010), concebido a partir de letras inéditas de Itamar Assumpção (1949-2003), um dos principais nomes da vanguarda paulista de música popular dos anos 1980.

Sua colaboração com o Quaternaglia iniciou em 1998 com Sweet Mineira – registrada em CD e DVD -, seguida por O percurso das almas cansadas (2004) para quatro violões e orquestra de cordas, Quinteto para um outro tempo (2006) para quatro violões e piano e Down the Black River into the Dark Night (2008) para quatro violões, piano e octeto de cordas, todas estreadas pelo quarteto em festivais internacionais.

Canção sem fim (para sons sem palavras) utiliza experiências formais e sonoras que partem da fase madura de Leo Brouwer, passam pela incorporação de elementos das tradições populares urbanas e articulam um jogo sutil de citações. Trechos de “Im Treibhaus” (“Na estufa”), o terceiro dos Wesendonck Lieder de Richard Wagner (1813-83), e do primeiro movimento do Concerto n.4 para piano de Beethoven (1770-1827) surgem ao longo da peça.

A presença do músico João Luiz neste álbum acabou se tornando decisiva ao longo do projeto. Hoje radicado nos Estados Unidos, ele foi membro do Quaternaglia durante sete anos, e tanto o arranjo do Choros n.5 de Villa-Lobos como a versão das Variações sobre o tema de Xangô, de Almeida Prado, foram realizados por ele ainda quando atuava no grupo.

Uma parte substancial de sua recente produção composicional tem sido pensada para quatro violões e dedicada ao Quaternaglia: Modinha, que alia um elaborado contraponto a ecos de Debussy (1862-1918); Urbano, peça autoral inspirada no samba “O ronco da cuíca” do violonista e cantor João Bosco, que aprofunda o virtuosismo rítmico de seu arranjo dasDanzas Argentinas de Ginastera (1916-83) – gravado pelo Quaternaglia no CD Estampas(2010) -; e Kirsten, uma canção de amor derivada das toadas do interior do Brasil.

Egberto Gismonti e Paulo Bellinati estão entre os mais importantes colaboradores do Quaternaglia ao longo de seus mais de vinte anos de atividade: o primeiro dedicou ao grupo peças de fôlego como Forró (1996) e produziu o CD Forrobodó (lançado na Europa), e o segundo é autor de algumas das mais apreciadas músicas do repertório do quarteto, comoBaião de gude, A furiosa, Lun-Duos, Frevo e fuga e Carlo’s Dance.

Encorajado por Chrystian Dozza, Bellinati preparou uma versão de Maracatu da pipa, escrita originalmente para trio de violões. A partir de um blues estilizado, a peça explora os dois tipos clássicos de maracatu presentes no nordeste brasileiro, o maracatu nação (ou de baque virado) e o maracatu rural (ou de baque solto). Já a presença de Gismonti dá-se a partir de uma composição do próprio Dozza baseada no tema Sete anéis: Sobre um tema de Gismonti tem o aval do próprio, e é a primeira gravação de uma peça autoral de um membro corrente do grupo.

Início e fim deste CD, Villa-Lobos tornou-se o centro de gravidade da música brasileira e, como tal, parece ter tomado para si a antiguidade arquetípica dos mitos. Seus Chorosimpõem o Brasil ao mundo, enquanto as Bachianas Brasileiras carregam a tradição musical ocidental na direção do Brasil.

Choros n.5, “Alma brasileira” conduz o piano popular brasileiro a um encontro com Liszt (1811-86) e os impressionistas (o que é ressaltado pela rigorosa versão de João Luiz para quarteto), enquanto a derradeira Bachianas Brasileiras n.9, original para orquestra de cordas (em hábil arranjo do regente Thiago Tavares) integra o contraponto bachiano à epifania de uma grandiosa fuga brasileira em compasso de onze tempos.

Sidney Molina

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